Importância da osmolalidade na adequação de formulações líquidas orais para neonatologia e pediatria

Produção de Medicamentos em Farmácia Hospitalar


Instituição

Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte

Autores:

Filipa Cosme Silva1,2,3, Sara Fernandes2, Rui Marques2,3, António J. Almeida2, Joana Marto2

O que foi feito ?:

O nosso estudo teve como objetivo avaliar a osmolalidade (número de partículas de soluto osmoticamente ativas presentes num quilograma de solvente) de várias formulações líquidas orais (especialidades farmacêuticas e medicamentos manipulados) administradas no serviço de neonatologia e avaliar o efeito da diluição das formulações em água para injectáveis (API) e leite materno/artificial na respectiva osmolalidade.

Porque foi feito ?:

A enterocolite necrotizante (NEC) é a emergência gastrointestinal mais comum no recém-nascido (RN) (EUA – 2500 casos/ano). Apresenta uma taxa de mortalidade de 20-30% e caracteriza-se por uma necrose isquémica da mucosa intestinal. A sua etiologia é mal compreendida mas é uma condição rara no RN sem alimentação oral. Pensa-se que a lesão isquémica inicial pode ocorrer por vasoespasmo, sépsis, hipoperfusão intestinal e fórmulas hiperosmolares. Deste modo, nos RN de risco sempre que possível deve optar-se por leite materno e evitar o uso fórmulas hiperosmolares.
O leite materno humano tem uma osmolalidade de cerca de 350 mOsm/kg e a Associação Americana de Pediatria recomenda uma osmolalidade para produtos entéricos abaixo dos 450 mOsm/kg (devido ao risco de intolerância e de NEC).
O problema está, assim, devidamente identificado e avaliação da osmolalidade é efetuada nas fórmulas de nutrição entérica. No entanto, o mesmo não acontece com os medicamentos líquidos destinados à administração oral. A Agência Europeia do Medicamento, no seu Reflection paper: formulations of choice for the paediatric population (EMEA/CHMP/PEG/194810/2005), recomenda a avaliação da osmolalidade nos medicamentos injectáveis de utilização pediátrica, mas nada refere relativamente às formulações líquidas orais destinadas a RN.

Como foi feito?:

Foram analisadas 14 formulações líquidas orais (especialidades farmacêuticas e medicamentos manipulados), recolhidas na Farmácia e no Serviço de Cuidados Intensivos Neonatais do HSM. A osmolalidade das formulações, antes e após após diluição (diluições de 1:1, 1:2 e 1:5) em água, em leite materno e leite artificial, foi determinada pelo método do abaixamento crioscópico, através da medição precisa do seu ponto de congelação (Micro-osmómetro Advanced TM modelo 3300). Todas as amostras foram avaliadas em triplicado.

O que se concluiu?:

De todas as amostras avaliadas apenas a solução de citrato de cafeína apresentou uma osmolalidade abaixo de 450 mOsm/kg. A solução de hidrato de cloral a 20% do FGP apresentou o valor mais elevado (4108 mOsm/kg).
Mesmo após a segunda diluição com água ou leite materno/artificial, a maioria das soluções, (medicamentos manipulados e especialidades farmacêuticas), mantinham um valor de osmolalidade superior ao recomendado.
A utilização dos novos veículos comerciais para administração oral em pediatria (Susy®, Ministério dos Remédios, Portugal) pode ser uma boa estratégia para retirar sacarose e parabenos das formulações mas apresenta uma osmolalidade elevada (1500 mOsm/Kg).

O que fazer no futuro?:

Relativamente à aplicabilidade, este caso clínico reflecte uma alteração na prática farmacêutica em vias de concretização. Um RN de termo, sexo masculino, 49 dias de vida, 5kg, com uma hérnia diafragmática congénita já operada e alimentado por via parentérica total durante 31 dias, desenvolveu uma colestase idiopática, tendo indicação para iniciar suspensão oral de ácido ursodesoxicólico (assim que via oral disponível). No entanto, a suspensão oral ácido ursodesoxicólico (medicamento manipulado, uma vez que não se encontra disponível no mercado português como especialidade farmacêutica), tem uma osmolalidade direta tão elevada cuja leitura não foi possível. Nas diluições com água de 1:1, 1:2 e 1:5 a suspensão apresentou valores de osmolalidade de 2210, 1352 e 698 mOsm/Kg, respetivamente. Deste modo, e pensando no risco de desenvolver NEC, iniciou-se fenobarbital endovenoso em alternativa e introduziu-se a suspensão oral de ácido ursodesoxicólico apenas quando a nutrição oral passou a ser bem tolerada (para poder ser diluída).
Embora este e outros estudos publicados indiquem que a osmolalidade das soluções pode ser diminuída através de uma diluição em água, esta diluição frequentemente excede o volume máximo adequado para administração ora, por exemplo, nos prematuros.

Este trabalho evidencia assim a necessidade de adquirir e desenvolver formulações orais (líquidas e sólidas) adequadas à neonatologia e pediatria, ou seja, não só reformular/adaptar as fórmulas oficinais do Formulário Galénico Português, como ainda avaliar as especialidades farmacêuticas seleccionadas. Pretende ainda reforçar a necessidade de introduzir a informação da osmolalidade nos rótulos dos medicamentos manipulados e de tornar obrigatória esta informação no RCM das especialidades farmacêuticas (recomendação já feita pela EMA para medicamentos injectáveis).

Palavras chave :

neonatologia
enterocolite necrotizante
osmolalidade
 
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