Instituição
ARSLVT - UOF de FarmáciaAutores:
Nadine Ribeiro, Cláudia Elias, Daniel Amaral, Fátima CimadeiraO que foi feito ?:
Os Serviços Farmacêuticos (SF) da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) desenvolveram um Programa de Gestão da Polimedicação no Doente Crónico nos Cuidados Saúde Primários (CSP) em articulação com a Equipa Regional de Apoio aos Cuidados de Saúde Primários (ERA). Este projeto centra-se em potenciar os resultados em saúde atribuíveis ao medicamento nos utentes da região, através de um trabalho colaborativo da equipa dos CSP onde são integrados os serviços de um farmacêutico clínico. A consulta incide sobre os doentes idosos, com mais de 65 anos, crónicos e polimedicados, com pelo menos 7 medicamentos em utilização prolongada.
Porque foi feito ?:
O envelhecimento da população, trouxe inexoravelmente um aumento do número de pessoas com doenças crónicas em situações de multimorbilidade, polimedicados, idosos e muito idosos, muitos com limitação funcional e dependência.
A polifarmácia inadequada e a adesão à terapêutica na população idosa são atualmente um dos maiores problemas em Saúde Pública, resultando frequentemente em não-efetividade e toxicidade dos medicamentos. A gestão do doente crónico polimedicado configura um dos desafios mais importantes do Serviço Nacional de Saúde.
Em consequência destas constatações, os SF das ARS organizaram, com o apoio da Ordem dos Farmacêuticos e da SEAS, uma reunião onde esta temática foi discutida e onde foram apresentados dois modelos de consulta farmacêutica já implementados: o do Reino unido e o de Espanha, Galiza.
Na conclusão desta reunião, o então SEAS Prof. Fernando Araújo, lançou um desafio às ARS para organizarem equipas multidisciplinares por forma a atenderem a estas questões e necessidades das suas populações.
Dando resposta a este desafio, os SF e a Equipa Regional de Apoio aos Cuidados de Saúde Primários (ERA) da ARSLVT uniram os seus esforços para a implementação de um Programa de Gestão da Polimedicação no Doente Crónico Complexo e Frágil na ARSLVT. Para a sua implementação foi identificada uma Unidade funcional (UF) piloto com equipas médicas disponíveis para integrar este tipo de projetos. Foi, assim, selecionada a USF de S. João do Estoril, onde, em 2019, iniciou-se esta consulta, posteriormente alargada a mais 6 USF e 1 UCSP de 2 ACES da ARSLVT, Lisboa Norte e Cascais.
Como foi feito?:
A consulta intercolaborativa MGF-farmacêutico procede-se do seguinte modo:
Os utentes são selecionados pelo MGF e referenciados ao farmacêutico, que agenda uma entrevista com o doente. Nesta consulta, o farmacêutico completa os dados partilhados pela equipa dos CSP, com os recolhidos na entrevista ao utente e análise do seu “saco de medicação” (toda a medicação que o utente efetivamente toma). Durante a entrevista, procura perceber o nível de conhecimento do utente sobre os seus medicamentos e doenças, a sua adesão à terapêutica e prioridades em relação à sua saúde, fornecendo, ao utente, informação técnica que permita que este otimize o uso da sua medicação.
Já em equipa, com o MGF, articula as intervenções com vista a assegurar que toda a medicação do doente esteja adequadamente indicada, seja a mais efetiva disponível e a mais segura possível. Em resultado define-se a lista reconciliada de medicação, a disponibilizar ao utente ou seu cuidador e aos vários profissionais de saúde, e é delineado o Plano de Cuidados Farmacoterapêuticos para cada utente.
Os utentes incluídos no programa mantêm-se em acompanhamento farmacoterapêutico com periodicidade e duração proporcionais aos riscos de problemas relacionados com a medicação (PRM) que apresentam.
Neste momento, foram já abrangidos, na consulta farmacêutica, 210 utentes polimedicados com os quais foram realizadas 324 interações, dado os utentes ficarem em acompanhamento sempre que se justifique. As consultas foram maioritariamente presenciais, embora durante a Pandemia se tenham realizado várias consultas telefónicas (42%). Algumas destas consultas, em utentes mais complexos, foram realizadas no domicilio (4%).
A maioria destes utentes são mulheres (62%) entre os 75 e os 85 anos de idade, com baixa escolaridade (1º ciclo). Apresentam em média 10 problemas de saúde, maioritariamente a nível cardiovascular e psicológico, para os quais tomam cerca de 11 medicamentos diferentes, com várias administrações diárias. A grande maioria (82%) apresenta discrepâncias entre a forma como foi previsto tomar os seus medicamentos e como os tomam na realidade.
Em resposta aos problemas relacionados com os medicamentos detetados, foram realizadas cerca de 400 intervenções farmacêuticas junto do utente ou seu cuidador, maioritariamente dirigidas a otimizar a segurança e a adesão à terapêutica. Estas intervenções ocorreram no momento da consulta farmacêutica, aproveitando o contacto direto com o utente.
Um pouco mais numerosas, 592, foram as intervenções realizadas junto do MGF, principalmente centradas em questões de segurança e necessidade da terapêutica, e que careciam de reavaliação dos fármacos prescritos. Como exemplo destas intervenções temos a necessidade de simplificação e/ou desprescrição de terapêuticas, ajustes de doses ou necessidade de monitorização de indicadores de segurança ou de efetividade de medicamentos com maiores riscos associados. Ao MGF compete também a importante tarefa de intermediar a articulação com os demais especialistas aos quais muitas destas intervenções se dirigiam.
O que se concluiu?:
Os resultados obtidos são consonantes com as evidências descritas na literatura sobre a necessidade de monitorizar os resultados da medicação na qualidade de vida dos utentes polimedicados, principalmente os mais frágeis e suscetíveis a PRM. A complementaridade de saberes tem sido identificada como uma mais-valia, permitindo uma visão e abordagem mais holística do utente, identificando-se em maior quantidade, e qualidade, áreas de potencial otimização dos resultados em saúde. Permite ainda uma aprendizagem partilhada entre os profissionais de saúde e uma visão mais crítica, de equipa, sobre as opções terapêuticas selecionadas. A disponibilidade de mais tempo da equipa de prestação de cuidados para atender às questões de saúde dos utentes é também uma mais valia, refletida na transmissão reforçada de medidas salutogénicas e de ensinamento para o bom uso dos medicamentos.
A constatação destes resultados têm sido o mote para o alargamento da presente consulta às atuais 7 UF, mesmo durante os dois anos de pandemia e largos períodos de confinamento.
O que fazer no futuro?:
Dada a boa aceitação da consulta e a dimensão e variedade das intervenções realizadas com vista à otimização dos resultados em saúde nestes utentes polimedicados, está, atualmente, prevista a abertura de novas consultas em outras UF de mais 4 ACES, nomeadamente o de Sintra, Almada-Seixal, Arco Ribeirinho e Loures-Odivelas.
A replicação deste modelo tem sido facilitada dada a transversalidade do problema que atende e ao elevado número de utentes elegíveis a que se aplica. Entretanto, uma nova tipologia de consulta emergiu da original (de gestão da polimedicação), trata-se da consulta de desabituação da utilização de benzodiazepinas. Esta é uma consulta intercolaborativa do MGF, farmacêutico e psicólogo dos CSP.
Palavras chave :
polimedicaçãoconsulta farmacêutica
reconciliação terapêutica
acompanhamento farmacoterapêutico