Instituição
Centro Hospitalar e Universitário de CoimbraAutores:
Marília João da Silva Pereira Rocha, Thaís Colombo Costa e Silva, Marisa M. C. Caetano, José A. L. Feio, Patrícia G. D. Dias, Marta Lavrador, Fernando Fernandez-Llimos, Isabel V. Figueiredo, Catarina B. A. e Cunha, Maria Margarida Castel-BrancoO que foi feito ?:
Em Outubro de 2019 iniciou-se o desenvolvimento e a implementação de um protocolo de Reconciliação da Medicação no serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – CHUC. A Reconciliação da Medicação consiste na avaliação sistematizada de todos os medicamentos que estão a ser adicionados, alterados ou descontinuados no momento da transição de cuidados, nomeadamente na admissão hospitalar, transferência e alta. Tendo as unidades de Medicina Interna maioritariamente internados doentes polimedicados e com múltiplas comorbidades, esta ferramenta constitui um forte fator de promoção da segurança e uso racional de medicamentos.
Porque foi feito ?:
O projeto foi desenvolvido a fim de possibilitar a implementação da Norma 018/2016 da Direção Geral de Saúde, que estabele o processo de Reconciliação da Medicação nos pontos de transição de cuidados, assim como, a concordância com os projetos globais de segurança do doente, como o 3º Desafio Global da Organização Mundial da Saúde – “The WHO Global Patient safety challenge: Medication Without Harm”. Desta forma, este trabalho teve como objetivos a promoção da qualidade da informação terapêutica, comunicação na transição de cuidados, prevenção de danos evitáveis e o mapeamento de pontos de intervenção no circuito do medicamento.
Como foi feito?:
O projeto iniciou-se com a elaboração do procedimento operacional do serviço a ser implementado, com estruturação das etapas a serem desenvolvidas, os responsáveis e os indicadores de avaliação. A sua aplicação teve como alvo todos os doentes internados na unidade de Medicina Interna B e C do CHUC, com idade superior a 18 anos e em uso regular de medicamentos.
A Reconciliação da Medicação tinha que ser efetuada nas primeiras 24h após admissão do doente utilizando um formulário estruturado para obtenção da Best Possible Medication History (BPMH), o que abrange a colheita dos dados sociodemográficos, clínicos e o perfil farmacoterapêutico de uso pré-hospitalar do doente, a fim de se obter a lista mais exata e atualizada possível dos seus medicamentos. Para isso recorreu-se à Plataforma de Dados da Saúde (PDS) num período retroativo de 6 meses, ao processo informatizado do doente, a eventuais listas de medicamentos de outras instituições, aos ¨sacos de medicação¨ e à entrevista com o doente/cuidador para confrontação com as fontes anteriores. De notar que foram considerados não só os medicamentos com prescrição, mas também fitoterápicos, medicamentos de venda livre e chás medicinais.
Uma vez construída a BPMH, esta é comparada à primeira prescrição pós-admissão, o que permite a identificação das possíveis discrepâncias. Uma vez identificadas, estas foram classificadas em Intencionais (documentadas ou não documentadas) ou Não Intencionais, assim como, categorizadas nos seguintes tipos: omissão, adição, substituição, alteração de dose, frequência, via de administração e forma farmacêutica. Finalizando com a comunicação ao médico prescritor e registo das intervenções.
O projeto ainda avaliou os tempos necessários para a realização do serviço de reconciliação por doente e procurou identificar os desafios para a sua implementação.
O que se concluiu?:
Num período de 3 meses (Outubro a Dezembro de 2019) foram avaliados 100 doentes. A média de idade foi de 79,5 (DP = 13,7) anos e 67% eram do sexo masculino. Usavam previamente 7,7 (DP = 3,0) medicamentos e sofriam de 7,8 (DP = 2,5) comorbidades. A duração da entrevista foi de 11,0 (DP = 3,2) minutos e o processo de reconciliação da medicação foi finalizado em 40,0% dos casos dentro das primeiras 24 horas.
Da análise das 790 discrepâncias identificadas, 95,7% foram classificadas como intencionais, estando 50,9% das situações documentadas. Das discrepâncias intencionais não documentadas (49,1%) apresentam-se como justificadas por condições e parâmetros clínicos (14,8%), por protocolos e diretrizes hospitalares (43,7%) e por necessidade de confirmação com o médico (41,5%). Das discrepâncias não intencionais (4,3%), 75,0% foram classificadas como omissão, e os principais grupos farmacoterapêuticos envolvidos foram analgésicos (20,8%) e ansiolíticos, sedativos e hipnóticos (12,5%).
Relativamente aos desafios de implementação, destacaram-se a falta de: acesso às fontes de informação, padronização na documentação da história medicamentosa, sistemas informáticos adequados, facilidade de contacto com o prescritor e doente/cuidador, tempo demandado do farmacêutico hospitalar.
Desta forma, foi possível concluir que a maioria das discrepâncias encontradas neste estudo é intencional (95,7%). No entanto, as discrepâncias intencionais não documentadas atingem um valor de 49,1%, o que pode induzir à confusão entre profissionais de saúde e aumentar a probabilidade de erro de medicação, assim como exigir esclarecimentos adicionais, com correspondente aumento do tempo despendido.
Assim sendo, torna-se evidente a necessidade do desenvolvimento de medidas de otimização e padronização da documentação e registo das alterações realizadas nos regimes terapêuticos durante a transição de cuidados, bem como a potencialidade do serviço de Reconciliação da Medicação neste processo.
O que fazer no futuro?:
Como um projeto de avaliação in loco, a identificação dos desafios e recursos necessários para a implementação de um serviço de Reconciliação da Medicação permite-nos o desenvolvimento de estratégias personalizadas para a unidade, visando garantir o progresso gradual e sustentado de futuras intervenções.
Neste sentido, e a partir dos resultados encontrados, foram desenvolvidos modelos de documentação para integração no sistema informático do hospital, de modo a obter a sistematização e integração das informações e otimizar assim o acesso e exatidão dos dados a todos os profissionais. Com base nisto, pretende-se ainda aprimorar a informação farmacoterapêutica entregue ao doente no momento de sua alta, de forma a promover segurança, atualização e aumento da adesão à terapêutica, assim como possibilitar um conhecimento claro e completo a todos os serviços envolvidos no seguimento do cuidado, como centros de saúde, instituições de longa permanência e outras unidades hospitalares.
Palavras chave :
Cuidados FarmacêuticosReconciliação da medica
erros de medicação
transição de cuidados
segurança do doente